28/07/09

Livros no Bolso - XIII

Jerusalém
Gonçalo M. Tavares
Caminho, 2008


Diz José Saramago do autor que vos trago hoje, não ter o direito de escrever tão bem, sendo ainda tão novo. Diz Hélia Correia, do livro que escolhi, que as qualidades literárias se encontram aí elevadas à perfeição, numa escrita, como diz, de beleza sóbria. Digo eu, leitora pequenina, num universo tão grande, sentir ainda ao toque daquelas páginas a vertigem encantatória de uma leitura a fazer uso de todos os sentidos.

O autor: Gonçalo M. Tavares. O livro, pelo que tenho descoberto do autor, poderia ter sido qualquer um – é o Jerusalém, por mera casualidade.

Foi o sentido de obrigação que me levou a agarrar neste livrinho negro de estética bonita. Isso, mais do que a vontade de conhecer a obra de um autor que, de forma tão súbita, acabaria por ganhar a afeição incontestável da comunidade leitora. Mas eu não queria afeiçoar-me. Não com tantas leituras por concretizar, de um tempo muito anterior à própria existência de Tavares. Erro rotundo, sei-o agora.

Jerusalém é um livro sem lugar não obstante os muitos lugares simbólicos: o lugar do bem e do mal, da separação e do encontro, do conflito interior, do sofrimento e da loucura. A narrativa abre numa madrugada lúgubre. Ernest prepara-se para se atirar da janela do seu sótão enquanto Mylia, vítima de uma doença que não a deixará viver mais do que alguns meses, procura noutra ponta da cidade uma igreja que esteja aberta. Nessa mesma madrugada, Theodor Busbeck, médico investigador em declínio e ex-marido de Mylia, sai à procura de uma prostituta, uma espécie de compensação púbica pelos dias maus. Sem uma sequência ordenada cronologicamente, acabamos também por conhecer Kaas, filho deficiente de Mylia e Ernest, agora sob os cuidados daquele que pensa ser seu pai, Theodor Busbeck, ou o ex-combatente Hinnerk, atormentado pelo medo e pela sua dependência das armas, espécie de proxeneta da prostituta com quem Theodor se encontra, na madrugada em que todos saem à rua.
Uma história desconcertante, para ser lida com olhos que se demorem nas palavras, tanto quanto Gonçalo M. Tavares parece demorar-se numa escrita que se detém nas coisas, numa observação acutilante de um mundo interior ao próprio mundo.

Nem a propósito, na próxima sexta e sábado, dias 3 e 4 de Julho, a Culturgest recebe Jerusalém, ópera de câmara de Vasco Mendonça com libreto de Gonçalo M. Tavares.

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